quinta-feira, junho 30, 2011

O apoio do governo Dilma à formação de um oligopólio

O cofre e os negócios

por Jânio de Freitas, na Folha, em 29.06.2011

O desvio de R$ 3,9 bilhões do BNDES, das suas finalidades primordiais para viabilizar a integração do supermercado Pão de Açúcar com o Carrefour, implica o comprometimento do governo Dilma Rousseff com um negócio privado de futuro juridicamente incerto e com esperáveis efeitos negativos para os consumidores e a economia social. Obra possibilitada pelo uso do dinheiro público que engorda o cofre do banco.

Com esse envolvimento articulado em sigilo, como convém aos dias de hoje, o BNDES persiste no governo Dilma com sua presença bilionária e decisiva; durante o governo Lula, na senda de negócios suspeitos ou, mais do que isso, ostensivamente contrários às leis — como o negócio das telefônicas Oi/ BrTelecom, tramado contra proibição legal explícita. E, está provado,sob justificativas falseadas: nenhum proveito se mostrou ao país ou aos consumidores.

Invocar a ética em tal nível do capitalismo seria imperdoável. Mas seja qual for o nome apropriado, a parcela de fatos afinal conhecidos — depois de negados com firmeza pelos protagonistas – indica que o Grupo Pão de Açúcar está burlando o seu sócio Casino, também francês, que o socorreu em dificuldades não distantes e ao qual, por contrato e por pagamento feito, deveria entregar parte substancial de si mesmo em 2012. O já previsível é que o Grupo Casino defenda os direitos que proclama em páginas inteiras de jornais.

Ao agravar a participação do governo por intermédio do BNDES, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, insulta a percepção dos cidadãos com a pretensa justificativa de que a integração do Pão de Açúcar com o supermercado francês “facilitará a entrada de produtos brasileiros na Europa”. O Carrefour não precisaria de associação alguma para criar a facilidade, se a desejasse e pudesse criá-la, nas suas décadas de Brasil; não tem na Europa, nem mesmo na França, toda a dimensão insinuada por Pimentel; são inúmeros os meios efetivos, de fato, para “facilitar a entrada de produtos na Europa” e não só lá, o que se viu nos últimos tempos.

Acréscimo especial à desrazão de Pimentel: se ele e o governo Dilma não sabem, o Carrefour está sem meios, ainda mais para hipotéticas colaborações -fechou 2010, como se pôde ler há um ou dois meses em jornais europeus, com prejuízo na ordem dos bilhões. De euros.

É aí que se deve procurar a razão do grupo francês para o negócio. O governo brasileiro faz, porém, mais do que favorecê-lo e ao Pão de Açúcar: desfavorece os consumidores e o já comprometido equilíbrio na oferta e na concorrência dos supermercados. A formação do crescente oligopólio, encabeçada pelo Pão de Açúcar, sairá muito fortalecida do novo negócio. Há cidades em que a situação já é ou está próxima do monopólio. Caso do Rio, para dar um exemplo eloquente, onde o Pão de Açúcar, no mínimo, é ele próprio, criou a rede Extra e comprou a rede Sendas. Graças à maior altitude comum aos seus preços, e nunca atenuada pelo maior faturamento conjunto como não o será, pelo contrário, com os preços em geral bem aceitos do Carrefour-Rio.

Alimentar (sem trocadilho) a voracidade do Pão de Açúcar é contra o que já foi muito chamado de economia popular. Sem que os R$ 3,9 bilhões do BNDES contribuam em nada para maior produção industrial. Nem para um pouco mais de empregos, mas para o desemprego sempre decorrente das fusões em atividades comuns.

quarta-feira, junho 29, 2011

Por que aplicar já 10% do PIB nacional na Educação Pública?

A educação é um direito fundamental de todas as pessoas. Possibilita maior protagonismo no campo da cultura, da arte, da ciência e da tecnologia, fomenta a imaginação criadora e, por isso, amplia a consciência social comprometida com as transformações sociais em prol de uma sociedade justa e igualitária. Por isso, a luta dos trabalhadores na constituinte buscou assegurá-la como “direito de todos e dever do Estado”.

No entanto, o Estado brasileiro, por expressar os interesses dos ‘donos do poder’, não cumpre sua obrigação Constitucional. O Brasil ostenta nesse início de século XXI, se comparado com outros países, incluindo vizinhos de América Latina, uma situação educacional inaceitável: mais de 14 milhões de analfabetos totais e 29,5 milhões de analfabetos funcionais (PNAD/2009/IBGE) – cerca de um quarto da população - alijada de escolarização mínima. Esses analfabetos são basicamente provenientes de famílias de trabalhadores do campo e da cidade, notadamente negros e demais segmentos hiperexplorados da sociedade. As escolas públicas – da educação básica e superior - estão sucateadas, os trabalhadores da educação sofrem inaceitável arrocho salarial e a assistência estudantil é localizada e pífia.

Há mais de dez anos os setores organizados ligados à educação formularam o Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira (II Congresso Nacional de Educação, II Coned, Belo Horizonte/MG, 1997). Neste Plano, professores, entidades acadêmicas, sindicatos, movimentos sociais, estudantes elaboraram um cuidadoso diagnóstico da situação da educação brasileira, indicando metas concretas para a real universalização do direito de todos à educação, mas, para isso, seria necessário um mínimo de investimento público da ordem de 10% do PIB nacional. Naquele momento o Congresso Nacional aprovou 7% e, mesmo assim, este percentual foi vetado pelo governo de então, veto mantido pelo governo Lula da Silva. Hoje o Brasil aplica menos de 5% do PIB nacional em Educação. Desde então já se passaram 14 anos e a proposta de Plano Nacional de Educação em debat e no Congresso Nacional define a meta de atingir 7% do PIB na Educação em ... 2020!!!

O argumento do Ministro da Educação, em recente audiência na Câmara dos Deputados, foi o de que não há recursos para avançar mais do que isso. Essa resposta não pode ser aceita. Investir desde já 10% do PIB na educação implicaria em um aumento dos gastos do governo na área em torno de 140 bilhões de reais. O Tribunal de Contas da União acaba de informar que só no ano de 2010 o governo repassou aos grupos empresariais 144 bilhões de reais na forma de isenções e incentivos fiscais. Mais de 40 bilhões estão prometidos para as obras da Copa e Olimpíadas. O Orçamento da União de 2011 prevê 950 bilhões de reais para pagamento de juros e amortização das dívidas externa e interna (apenas entre 1º de janeiro e 17 de junho deste ano já foram gastos pelo governo 364 bilhões de reais para este fim). O problema não é falta de verbas públicas. É preciso rever as prioridades dos gastos estatais em prol dos direitos sociais universais.

Por esta razão estamos propondo a todas as organizações dos trabalhadores, a todos os setores sociais organizados, a todos(as) os(as) interessados(as) em fazer avançar a educação no Brasil, a que somemos força na realização de uma ampla campanha nacional em defesa da aplicação imediata de 10% do PIB nacional na educação pública. Assim poderíamos levar este debate a cada local de trabalho, a cada escola, a cada cidade e comunidade deste país, debater o tema com a população. Nossa proposta é, inclusive, promover um plebiscito popular (poderia ser em novembro deste ano), para que a população possa se posicionar. E dessa forma aumentar a pressão sobre as autoridades a quem cabe decidir sobre esta questão.

Convidamos as entidades e os setores interessados que discutam e definam posição sobre esta proposta. A ideia é que façamos uma reunião de entidades em Brasília (dia 21 de julho, na sede do Andes/SN). A agenda da reunião está aberta à participação de todos para que possamos construir juntos um grande movimento em prol da aplicação de 10% do PIB na educação pública, consensuando os eixos e a metodologia de construção da Campanha.

Junho de 2011.

ABEPSS, ANDES-SN, ANEL, CALET-UnB, CFESS, COLETIVO VAMOS À LUTA, CSP-CONLUTAS, CSP-CONLUTAS/DF, CSP-CONLUTAS/SP, DCE-UnB, ENECOS, ENESSO, EXNEL, FENED, MST, MTL, MTST/DF, MUST, OPOSIÇÃO ALTERNATIVA, CSP-CONLUTAS/RN, PRODAMOINHO, SEPE/RJ, SINASEFE, SINDREDE/BH, UNIDOS PRÁ LUTAR.

quinta-feira, junho 23, 2011

É isso mesmo

O incrível é que cada átomo de seu corpo veio de uma estrela que explodiu e os átomos em sua mão esquerda provavelmente vieram de uma estrela diferente da dos átomos de sua mão direita. Essa é realmente a coisa mais poética que eu conheço sobre física: vocês são todos poeira de estrelas. Vocês não poderiam estar aqui se as estrelas não tivessem explodido, porque os elementos, o carbono, o nitrogênio, o oxigênio, o ferro, todas as coisas que importam para a evolução foram criados no começo dos tempos. Eles foram criados nas fornalhas nucleares das estrelas e a única maneira de eles chegarem ao seu corpo é se as estrelas forem gentis o suficiente para explodir. Então esqueça Jesus, as estrelas morreram para que você estivesse aqui hoje. — Lawrence Krauss


Não existe nada divino e nenhuma divindade. Nós vivemos e depois vamos para debaixo da terra virar comida de minhoca. A vida não é um ensaio, nem uma precursora de coisas boas. A vida simplesmente é. E a gente tem uma chance de fazer as coisas da melhor maneira possível para aqueles à nossa volta e aqueles que estão por vir. — Warren Ellis

Via Blog Ateísmo e peitos

domingo, junho 19, 2011

Memória brasileira: sigilo ou vergonha?

Há 141 anos terminou a Guerra do Paraguai. Durou de 1864 a 1870. Ao longo de seis anos, Brasil, Argentina e Uruguai, instigados pela Inglaterra, combateram os paraguaios. O pretexto era derrubar o ditador Solano López e impedir que o Paraguai, país independente e sem miséria, abrisse uma saída para o mar.


O Brasil enviou 150 mil homens para o campo de batalha. Desses, tombaram 50 mil. Do lado paraguaio foram mortos 300 mil, 20% da população do país. E o Brasil abocanhou 40% do território da nação vizinha.

Até hoje o acesso aos documentos do conflito está proibido a quem pretende investigá-los. Por quê? Talvez o sigilo imposto sirva para cobrir a vergonhosa atuação de Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro, que comandou nossas tropas na guerra. E do Conde D’Eu, genro de Dom Pedro II, que sucedeu o duque no massacre aos paraguaios.

Os arquivos ultra-secretos do Brasil podem permanecer sigilosos por 30 anos. O presidente da República pode prorrogar o prazo por mais 30, indefinidamente. Eternamente.

Em 2009, Lula enviou à Câmara dos Deputados projeto propondo o sigilo eterno periodicamente renovado. Cedeu a pressões dos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. Os deputados federais o aprovaram com esta emenda: o presidente da República poderia renovar, por uma única vez, o prazo do sigilo, e os documentos considerados ultra-secretos seriam divulgados em, no máximo, 50 anos.

O projeto passou ao Senado. Caiu em mãos da Comissão de Relações Exteriores, cujo presidente é o senador Fernando Collor. E, para azar de quem torce por transparência na República, ele próprio assumiu a relatoria. E tratou de engavetá-lo. Não deu andamento ao debate nem colocou o projeto em votação.

A presidente Dilma decidira sancionar a lei do fim do sigilo eterno a 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Naquela data, o relator Collor foi a plenário e declarou ser "temerário" aprovar o texto encaminhado pela Câmara dos Deputados.

Na véspera de ser empossada ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti declarou que Dilma estaria disposta a atender pedidos dos senadores José Sarney e Fernando Collor, e patrocinar no Senado mudança no decreto para assegurar sigilo eterno a documentos oficiais. A única diferença é que, agora, o sigilo seria renovado a cada 25 anos.

O Congresso está prestes a aprovar a Comissão da Verdade, que irá apurar os crimes da ditadura militar. Como aprovar esta comissão e vetar para sempre o acesso a documentos oficiais? Isso significa impedir que a nação brasileira tome conhecimento de fatos importantes de sua história.

Collor e Sarney não gostam de transparência por razões óbvias. Seus governos foram desastrosos e vergonhosos. Já o Ministério das Relações Exteriores alega que trazer à tona documentos, como os da Guerra do Paraguai, pode criar constrangimentos com países vizinhos. Com países vizinhos ou com nossas Forças Armadas e personagens que figuram como heróis em nossos livros didáticos?

O sigilo brasileiro a documentos oficiais não tem similar no mundo. Se não for quebrado, a presidente Dilma ficará refém da chamada base aliada. Ontem foi o "diamante de 20 milhões de reais", hoje o sigilo eterno, amanhã...

Na terça, dia 14 de junho, retornaram ao Brasil os arquivos do livro "Brasil Nunca Mais" (Vozes), que relata os crimes da ditadura militar brasileira. A publicação, patrocinada pelo Conselho Mundial de Igrejas, foi monitorada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e o pastor Jaime Wright.

O mérito do "Brasil Nunca Mais" é que não há ali nenhuma notícia de jornal ou depoimento de vítima da ditadura. Toda a documentação se obteve em fontes oficiais, retirada, por advogados, de auditorias militares e do Superior Tribunal Militar. Microfilmada, foi remetida ao exterior, por razões de segurança. Agora retorna ao Brasil para ficar disponível aos interessados. Muitas informações ali contidas não constam da redação final do livro, da qual participei em parceria com Ricardo Kotscho.

Os arquivos da Polícia Civil (DOPS) sobre a ditadura militar já foram abertos e se encontram à disposição no Arquivo Nacional. Falta abrir o arquivo das Forças Armadas, o que depende da vontade política da presidente Dilma, ela também vítima da ditadura. As famílias dos mortos e desaparecidos têm o direito de saber o que ocorreu a seus entes queridos. E o Brasil, de conhecer melhor a sua história recente.

Um país sem memória corre sempre o risco de repetir, no futuro, o que houve de pior em sua história.



Frei Betto é escritor, autor de "Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira" (Rocco), entre outros livros.

sábado, junho 18, 2011

Filhos

“Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem.
Isso mesmo!
Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.
Perder? Como?
Não é nosso, recordam-se?
Foi apenas um empréstimo!"

José Saramago

quinta-feira, junho 02, 2011

Visita ao Piratini

Segunda-feira última estive no Palácio Piratini, fazendo uma visita guiada, junto com um grupo de alunos do Congo que estão fazendo intercâmbio em Porto Alegre. A guia que nos recebe é uma bela mulher negra que, com eloquência, mostra-nos os espaços do Palácio, explicando-nos a que os detalhes fazem menção.

Há, na sede do Poder Executivo Estadual, estátuas do busto de Getúlio Vargas, dos positivistas Borges de Medeiros, Júlio de Castilhos e de outros generais. As homenagens à Guerra dos Farrapos são numerosas, tratam o feito como o maior marco da história do Rio Grande do Sul, como se o evento representasse um levante popular e substancial e não uma guerra da elite que usou os escravos como massa de manobra. (Sobre isso, ler o livro “A História Regional da Infâmia”, de Juremir Machado, que desmistifica tal guerra que não envolveu nem 10% da população da época).

No segundo piso do Palácio, há dois grandes salões, o maior é chamado “Negrinho do Pastoreio”, pois se refere à famosa lenda do menino negro açoitado pelo patrão. O teto desse salão é pintado com o intuito de reproduzir a lenda, o pintor da obra foi o italiano Aldo Locatelli. No salão ao lado, intitulado Alberto Pasqualini, há uma grande pintura que tem por objetivo mostrar os povos que participaram da formação social do estado do Rio Grande do Sul. Foi essa tela que deixou minha visita curiosa, nela estão retratados e homenageados o colonizador europeu, os bandeirantes paulistas, os imigrantes italianos e alemães, o índio guarani, o gaúcho estereotipado do tradicionalismo e o fazendeiro em seu cavalo.

Detalhe, eu estava com quinze alunos africanos e, na tela, não havia um negro, os escravos não fizeram parte da formação do estado? Na guerra farrapa, tão lembrada, não havia lanceiros negros? Quem sustentou as charqueadas no período colonial no sul gaúcho? Perguntamos isso a nossa guia que, constrangida nos diz que o salão Negrinho do Pastoreio seria uma homenagem à população africana, mas esse argumento não convence.

Depois, ficamos sabendo que o pintor italiano que produziu bela arte no Palácio tinha muita afinidade com as idéias fascistas de Mussolini e que, provavelmente, excluiu o povo negro de sua pintura intencionalmente. O que ficou do passeio é que o Palácio Piratini é um ótimo exemplo simbólico de ostentação ao tradicionalismo inventado, a uma guerra de negócios, como a dos farrapos, e uma homenagem ao colonizador. E os africanos com os quais fiz a visita e que vieram do mesmo continente daqueles que, em sua maioria, devem ter levantado pedra por pedra do palácio, não se viram homenageados.