Texto escrito em resposta as afirmações feitas pelo articulista da Veja no artigo "Professores, acordem!".
Alexandre Silva Virginio (1)
O colunista da revista Veja, Gustavo Ioschpe, manifestou sua visão de quem são os responsáveis pelas mazelas da educação nacional: os professores. Vale -se, para tanto, de um conjunto de ilações que, em realidade, culpabiliza a vítima, ainda que sua intenção seja combater o que ele chama de ‘vitimização dos professores’. Para ele, a luta por melhores salários dos professores é ilegítima pois que o que oferecem à sociedade é um ensino responsável por nossos inexpressivos indicadores educacionais. Mesmo os 10% do PIB para a educação, segundo Gustavo, não resultará em qualquer melhoria. Para ele, segundo seu artigo, a educação de qualidade depende das competências, habilidades e destrezas do professor.
Somente depois de comprovar seus predicados como educador poderiam os professores, aliás, muito ‘gananciosos’ destaca o colunista, reivindicar ‘um contracheque mais gordo’. Seus argumentos, em verdade, encontram paralelo no governador do Paraná, Beto Richa, que culpou os professores pela violência policial.
O que esta perspectiva revela, ademais, é uma total ignorância em relação aos fatores intervenientes nos processos educacionais. Responsabilizar unicamente os professores pelo sucesso escolar da nação é desconhecer que a qualidade da educação, além de professores bem formados, motivados e dignamente remunerados requer atentar para as condições institucionais e para a natureza dos contextos sociais que atende. Demanda, ainda que não unicamente, escolas com espaços adequados, equipadas, equipes de apoio atuantes e um projeto eco-político-pedagógico discutido e apropriado pela comunidade escolar. Não obstante, parece que o economista esquece que não universalizamos o acesso à educação básica. Ainda temos, por exemplo, mais de 8 milhões de crianças de 0 à 3 anos sem acesso à educação infantil.
O que dizer então da demanda referente ao ensino médio. De acordo com os dados mais recentes, são quase 2 milhões de jovens entre 15 e 17 anos que não estudam. Então colocar estes jovens na escola não demanda recursos?
Isto sugere, para aqueles com um mínimo de bom senso, que as políticas d e educação requerem recursos muito mais substantivos do que os atuais.
Além disso, as interpretações do referido autor revela total inobservância do que as ciências sociais, especialmente a sociologia da educação, tem aportado à compreensão dos fenômenos educacionais. Como não reconhecer os efeitos da pobreza, do desemprego, das doenças, da falta de saneamento básico, das crises da família, da insolvência de recursos financeiros no cotidiano das famílias e que repercutem nas disposições e no conteúdo do capital cultural que a criança leva para a escola? Já não é novidade a violência simbólica que a escola pratica quando, através de um arbitrário cultural, assume elementos da cultura dominante atrás da imagem da cultura universal. Indo além, muito das dificuldades das relações entre professores e alunos decorrem das lentas mutações da modernidade. Dentre elas, destaque-se as exigências colocadas às escolas pela diversidade cultural, pelo utilitarismo do mercado, pela relativização dos valores ou pelo significado das novas tecnologias, sem esquecer é claro, das implicações pouco educacionais da grande mídia.
Ao associar a qualidade da educação ao desempenho dos professores o articulista deveria reconhecer que mais de 80% dos mesmos são formados em universidades privadas e cuja qualidade do que oferecem deveria ser objeto de um olhar mais atento da sociedade. Aliás, estudos da Fundação Getúlio Vargas tem destacado o caráter insípido e abstrato, portanto distante das realidades escolares, dos currículos de formação dos professores.
Não bastasse isto, a questão salarial não pode ser negligenciada. De um lado, porque não conseguimos atrair os jovens para a profissão, desaguando na atual carência de professores em todas as áreas. Por outro lado, como esperar dos atuais professores melhor desempenho e um diálogo qualificado com a comunidade escolar se não dispõem de tempo, nem de recursos, para sua qualificação e/ou aprofundamento de sua relação com o mundo da cultura?
Não considerar as variáveis acima destacadas é, em nosso juízo, reforçar a injustiça cometida contra aqueles que já vem, por décadas, sendo injustiçados. Em síntese, restringir a conquista da qualidade da educação ao trabalho das instituições escolares, é não reconhecer que o currículo escolar está condicionado pelas diferenças psicoculturais e pelas desigualdades socioeconômicas.
A cabeça do colunista atende a lógica de transferir unicamente para o indivíduo a responsabilidade por sua trajetória social e profissional esquecendo, mais ou menos conscientemente, as implicações que o sistema social tem sobre as mesmas. Em suma, trata-se de visão obtusa, muito própria dos que exaltam o valor da educação para o desenvolvimento da nação, à semelhança de Gustavo, mas que insistem em ver o sistema educacional como imaculado de influências sociais. Pior de tudo é que tal perspectiva pode servir para legitimar a ‘violência’ dos já indignos salários ou, até mes mo, os atuais atos de violência praticados contra os educadores da nação. Diante desta possibilidade, o colunista
faria melhor se fosse dormir ao invés de escrever.
(1) Doutor em Sociologia/UFRGS; Professor do Depto. de Sociologia/UFRGS; Colaborador externo do Grupo de Investigação de Pedagogia Social e Educação Ambiental da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela – Galicia/Espanha e da Ong Povoacão: Educação Cidadã.
Contato email: alexvirginio@uol.com.br
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