sábado, abril 06, 2013

SAUDAÇÃO AOS GREGOS


Por Marcos Rolim em seu site.


A sociedade que temos, assim como todas as demais, é uma criação histórica. Nossas regras de convivência, as instituições, o mercado e as leis, o poder e a resistência ao poder, tudo isto é construção humana.
A democracia – esta ideia radical segundo a qual é possível um espaço público onde as questões que interessam a todos sejam objeto de debate – foi inventada pelos gregos quando eles perceberam que a ordem social não era criada pelos deuses.  Neste momento, acabaram com o destino e inauguraram a liberdade política.

Nas últimas semanas, Porto Alegre foi invadida por jovens gregos saídos sabe-se lá de onde. Aos milhares, eles se reuniram no espaço público para protestar contra o aumento das tarifas do transporte coletivo. E cantaram e pularam e encheram as ruas de palavras de ordem e de alegria. No começo, houve quem, esgueirando-se em meio aos gregos, atentasse contra o patrimônio público. Persas infiltrados, talvez; herdeiros atormentados de Xerxes ávidos por uma revanche de Salamina, quem pode saber? O importante é que os gregos venceram e encantaram Porto Alegre. Na manifestação da última quinta-feira, foram novamente milhares de jovens, desta vez debaixo de chuva. Por onde passavam, eram aplaudidos. Das janelas dos edifícios e das paradas de ônibus, todos os saudavam. Os gregos haviam voltado para as ruas e os trabalhadores perceberam que aquela luta era também a sua luta. 

Desde as manifestações em favor do impeachment de Collor, há mais de 20 anos, não se via tantos jovens mobilizados em torno de uma reivindicação política. O que se viu em Porto Alegre não cabe, entretanto, nos formatos do passado. À frente destes jovens não há uma organização tradicional, nem lideranças como antes. O movimento que eles montaram se convoca pelo facebook e os que protestam se reúnem como as ondas e as primaveras. As bandeiras de partidos que aparecem aqui e ali não traduzem ou representam o movimento. Há, disseminada entre os jovens, a convicção de que ninguém fala em seu nome. O ativismo que eles desempenham é autoral e se reconhece em sua diversidade. Os protestos, de qualquer maneira, possuem um significado histórico. O movimento estudantil foi retomado e há um protagonismo que emerge das ruas. Ele está nas faces iluminadas de meninos e meninas que sonham com a justiça e que estão dispostos a mudar as coisas.

As coisas, sabemos, são muito fortes. Ainda mais fortes quando se acredita que não podem ser mudadas. Os conservadores de todos os perfis se dedicam a desqualificar os que lutam, porque querem que as pessoas tenham um destino. Para eles, o destino é a ordem. Não a ordem democrática, fundada no dissenso, mas a ordem da caserna, do “sim senhor”, do “isto sempre foi assim”, definida pelo deus mercado.  Por isso, para eles, tudo o que desafia o mesmo é “baderna”. O que nossos gregos fizeram foi mostrar que as coisas podem ser mudadas. Fizeram mais: mostraram que a política é completamente outra quando as praças estão repletas de sonhos e que a justiça é diferente diante de um povo de cabeça erguida.

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