terça-feira, outubro 02, 2012

Aos educadores da vida

Toda profissão que envolva educação teria de ter como prioridade, prática e teórica, o lúdico, a imaginação, a esperança e a poesia. O ato de trabalhar deveria ser produto e produtor da criatividade, as experiências pedagógicas não deveriam descartar a intuição. Porém, o positivismo nos herdou uma noção de ciência em que a seriedade vence o humor, em que a objetividade é mais importante que as descobertas processuais e que a imparcialidade é possível. Ilusões!
A ética utilitarista que norteia a lógica contemporânea faz com que o trabalho docente seja de gestão, de produção, de adequação institucional e enquadramento metodológico. Como esse trabalho pode ser prazeroso? Como desenvolver conhecimento crendo que só há uma via para isso, no caso a razão pura e condicionada? Somos corpos eróticos, imagéticos e ansiosos. Os prazos da escola e da academia são os mesmo para sujeitos com tempos distintos. 
Quando vivemos em uma sociedade em que a aposentadoria é tida como redenção, é o momento de pararmos para pensar no tipo de trabalho que estamos fazendo. Quando se trabalha forçado, para um chefe, para ter dinheiro, para se manter ou para acumular sem sentido e não há nenhum prazer no que se faz, há algo errado.
Imagine que lógica absurda sofrer uma vida toda para chegar à "salvação" da aposentadoria no fim da trajetória e considerar isso o encontro com a felicidade. Uma sociabilidade sadia em um mundo diferente teria a aposentadoria como uma mudança de estágio quase não desejada, haja vista, que os sujeitos têm no seu fazer o sentido da sua vida. O magistério hoje é um lugar de sofrimento para muitas pessoas. 
O educador considerado bom hoje é aquele que cumpre metas, é produtivo, administra os estudantes com suas técnicas. Desafio que alguém me mostre aspectos prazerosos nesse ofício. Somos convencidos sistematicamente que nossa ferramenta, a palavra, não muda as estruturas sociais. Essa descrença desgasta, desestimula e faz com que se considere, erroneamente, educador de sucesso àquele mais colonizado e cerceador. 
A ciência dura e burocratizada quer que entendamos o mundo e suas relações de longe, quase de fora, na busca da vã neutralidade. As relações se dão na linguagem e na memória, essas dimensões são o recheio da vida e não existem sem o papel do educador e sua palavra. 
Ter a coragem de dizer, de escrever e de se rebelar são atos de coerência pedagógica, Rubem Alves diz que não devemos formar professores, mas sim acordá-los, para que percebam qual ideologia tem e/ou reproduzem e se ela está de acordo com o que querem e acreditam para a vida. Somos nossos dizeres e nos alimentamos com os dizeres alheios, é a palavra que azeita a engrenagem das relações humanas, portanto, que não se caia na falácia de que ela não muda nada porque nada se muda sem ela. 
É na e pela palavra que dou o melhor de mim, por isso, por uma questão existencial, tenho que crer que ela pode melhorar o mundo e as pessoas.

Gregório Grisa 



2 comentários:

Lucas Tirelli disse...

O neoliberalismo é a liberação para as correntes irrefreáveis que fazem desandar a construção da própria liberdade. Neoprisão.
A racionalidade enquanto superação das ideologias é confundida com uma razão empobrecida e demasiadamente metodológica. Isto é a redução da nossa mais verdadeira condição.
Estamos encapsulados no labor nada prudencial dos compromissos ausentes de promessas e saturados de ilusões, onde os sonhos são a perda da memória e acordar é marchar na história ditada pela função que nos é dada.
A burocracia da felicidade na desburocratização de levianas satisfações. O império do produto, da inutilidade das fontes, da ignorância das origens.
Mas ainda há alguns, como nós, que se realizam nas palavras. Pois, sabemos, foram as palavras que originaram a realização do mundo.

Parabéns pelo texto!
abraço

Gregório Grisa disse...

Obrigado Lucas, tua reflexão é poderosa e salve a palavra!