sexta-feira, agosto 17, 2012

Sevilha

A cidade mais bem cortada
que vi, Sevilha;
cidade que veste o homem
sob medida.

Justa ao tamanho do corpo
ela se adapta,
branda e sem quinas, roupa
bem cortada

Cortada só para um homem
não todo o humano;
só para o homem pequeno
que é sevilhano

Que ao sevilhano Sevilha
tão bem se abraça
que é como se fosse roupa
cortada em malha

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Ao corpo do sevilhano
toda se ajusta
e ao raio de ação do corpo,
ou sua aventura.

Nem com os gestos do corpo
nunca interfere,
qual roupa ou cidade que é
cortada em série.

Sempre à medida do corpo
pequeno ou pouco;
ao tacto baixo míope,
ao pés do coxo.

Nunca tem panos sobrando
nem bairros longe;
sempre ao alcance do pé
que não tem bonde.

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O sevilhano usa Sevilha
com intimidade,
como se só fosse a casa
que ele habitasse

Com intimidade ele usa 
ruas e praças;
com intimidade de quarto
mais que de casa.

Com intimidade de roupa
mais que de quarto;
com intimidade de camisa
mais que casaco.

E mais que intimidade,
até com amor,
como um corpo que se usa
pelo interior.

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O modelo não é indicado
é a nenhum nórdico;
lhe ficará muito curto
e ele incômodo.

Ele ficará tão ridículo
como um automóvel
dos que ali, elefânticos,
tesos, se movem,

Nas ruas que o sevilhano
fezpara sim mesmo,
pequenas e íntima para
seu aconchego,

sevilhano em que se encontra
ainda o gosto
de ter vida à medida
do próprio corpo.

João Cabral de Melo Neto
in Morte e vida severina e outros poemas em voz alta.
  

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