segunda-feira, setembro 27, 2010

O banco do pôr do sol


Na frente da pensão “Palco” há um banco com as bases de concreto, os assentos e o encosto de madeira, verde é a cor da parte vinda de um caule qualquer e cinza a advinda da “massa”. O banco de três lugares nunca é plenamente ocupado, pelo constrangimento que é sentar-se com as coxas coladas a outras, por vezes desconhecidas. Alfredo costuma ver o movimento, na maioria das vezes ao fim de tarde, nesse banco e ao baixar essa semana para fazê-lo se surpreendeu com um senhor sentado. Trata-se de um novo hóspede, calça jeans “Pierre Cardin”, cinto e sapatos pretos, camisa cinza pra dentro da calça e uma generosa careca.
Descrição tão detalhada é bondade de quem narra, Alfredo pouco nota em primeiras impressões, o brilho da calvície talvez. Nosso jovem rodeou o banco por alguns minutos matutando um estratagema para se abancar, mas não sentou enquanto a formalidade do convite não se procedera. A conversa se deu naturalmente, ao contrário do esperado, e seus meandros introdutórios e de apresentação, muito comuns, serão furtados de sua ciência caro leitor. O necessário, a saber, é que Alceu era funcionário público, mas no fundo gostaria de ser pintor.
Bom falador o novo hóspede já havia elogiado o contraste do amarelo da pensão com o verde do banco e o colorido do jardim triangular que faz companhia a este. Do tema da literatura transitaram para a pintura e artes em geral. Alfredo, como bom curioso e ouvinte que é se portava atento quando Alceu lhe explicava algumas coisas sobre as curvas de Van Gogh, sobre as retas coloridas e, as esculturas inovadoras de Picasso e ainda os auto-retratos de Rembrandt. Percebia-se que aquele senhor dedicara algum tempo da vida para entender do que gostava e antes de subir para o banho ele ainda falou um pouco sobre suas impressões da cidade, das pessoas genericamente, todavia, com conteúdo.
Surpreso tanto com seu desconhecimento sobre arte, quanto com a facilidade de refletir sobre o mundo do seu novo colega de pensão, Alfredo pensava consigo que só pintar coisas bonitas não iria reservar na história e na cultura lugar tão especial para as pessoas que Alceu mencionara. Era preciso um estudo sobre a história da arte, poesia, filosofia e um olhar muito apurado sobre o ser humano e a sociedade para produzir obras tão significativas em seus contextos. Alfredo aprendeu que a iconografia pode ser um meio, em determinados períodos da história, pelo qual se expressam os sentimentos e as ideias políticas de um modo mais fecundo e mavioso que a própria escrita.

Um comentário:

Anna Luiza disse...

To gostando de ver o Alfredo amadurecer!!! Amo te ler.