segunda-feira, agosto 23, 2010

Pelas barbas do profeta

A oferta que eu tinha nas mãos era terrível, desproporcionalmente injusta. Ainda assim me via obrigado a fazer negócio, já que estava tão perto de acabar com toda aquela espera. Claro que quando isso terminar não vou esquecer o que passei, cada ameaça que recebi nos tempos de escola, cada batalha derrotado pelo vento, mas também vou levar comigo as lembranças boas, as surpresas positivas de quando estava rasgando aquele envelope caro e misterioso. Esse negócio sem dúvida vai marcar uma virada de ciclo, uma mudança de página na minha vida. Terminando essa etapa parece que a minha infância se ajeita melhor nas lembranças, vou deixar de ter essa sensação de começar e não terminar as coisas e, apesar de simbólico, vou completar minha primeira década de vida de vez com esse passo.

Não tendo mais o que barganhar nem o que pensar entreguei para o Jorge minhas 245 figurinhas repetidas e corrigi um texto dele, chatíssimo, de 43 páginas sobre engenharia da computação em troca de uma figura, falei que iria sair perdendo. Alexi Lalas é o nome que o fundo da minha mente mais guardou nesses anos, zagueiro norte-americano, símbolo de sua equipe na copa do mundo de 1994, sua figurinha era a última que faltava no primeiro e último álbum que tive na vida.

O Jorge, que conheci em um campeonato de botão, o que é raro hoje, nem álbum tem, mas achou mexendo nas coisas do seu irmão mais velho algumas figurinhas dentre elas a que eu mais cobiçava, a ponto de fazer o negócio que fiz. Ele vai vender na internet as figurinhas repetidas que me logrou, que tantas moedas do pai custaram e que alguns calos na mão fizeram, do jogo do bafo. Meu nome é Alfredo, acho que vocês já me conhecem, fiquei muito feliz por ter completado o álbum da copa que o Romário ganhou, entretanto, ontem quando cheguei na “Palco” (pensão onde moro) deixei a relíquia na portaria e fui buscar meus óculos para perto, não vejo o álbum a três dias, seu Lauro estava dormindo.

Um comentário:

Anna Luiza disse...

Agora os contos do Alfredo são na primeira pessoa? Humm... Ou será que isso é uma página do diário dele?
Eu gosto das enroladas que tu dá no leitor, falando sobre um envelope que parece ser bem mais definitivo (como uma resposta de aprovação de concurso público ou de resultado de exame médico) do que realmente é... Eaí, quando se vai ver são apenas figurinhas?! Se bem que não existe nada mais definitivo do que figurinhas de álbum pra um menino de dez anos, como o Alfredo.