domingo, abril 05, 2009

Manifesto de inquietações de uma velha professora!


Através desta e assumindo integral responsabilidade pretendo, com este Manifesto, compartilhar com pessoas como eu, que nasceram, se criaram ou vivem e trabalham neste estado, ou ainda, com aqueles/as que o adotaram de coração, algumas inquietações que considero – até que alguém me convença do contrário – que são muito sérias. Passo, então, a socializar angústias que já não consigo calar dentro do peito, fechada em minha casa ou no espaço da sala de aula ou mesmo quando saio à rua. Sinto vergonha e fico pensando se não há outras pessoas que estão experimentando, como eu, esta angústia sem saber muito bem como fazer para agir.
Minhas inquietações estão relacionadas a assuntos de domínio público, noticiados por diferentes jornais locais e nacionais, revistas e noticiários de rádio e televisão. Tratam-se dos direitos básicos de cidadania, próprios de uma república democrática, o Brasil, em que se insere o estado do Rio Grande do Sul. Vejamos, então:
1) Neste estado, com uma história de lutas para manutenção de fronteiras, de uma Revolução e de participação em uma guerra, há um enorme apreço pelo sentido da liberdade conquistada. No entanto, a governadora proíbe ao CEPRS a organização de um evento para debater a educação, bem como proíbe a esposa do Sr. Prefeito da capital de se apresentar, como artista, na abertura do jogo do Brasil contra o Peru, no Beira Rio.
ü Isso pode ser ou não o prenúncio de uma ditadura, porque só a ditadura militar foi capaz de fazer tal tipo de proibição?
2) No Rio Grande do Sul, desde o início de seu povoamento, houve preocupação das famílias com a educação dos filhos, tanto que os resultados dos censos e de avaliações de cursos sempre nos colocaram entre os primeiros da federação brasileira. Temos cinco universidades federais, uma estadual, várias comunitárias e privadas, com níveis reconhecidos nacional e internacionalmente de pesquisa e produção científica. No entanto:
a) As escolas públicas estaduais são avaliadas pela relação custo/benefício – não como um direito de cidadania – e por isso, muitas escolas foram fechadas;
b) Desconhecendo ou rejeitando uma antiga demanda das professoras sobre as escolas rurais multisseriadas, a Secretaria de Educação estende esta iniciativa para as classes de 5ª a 8ª série, promovendo o esquema popularizado como “enturmação”, para gastar menos com a contratação de professores;
c) Divulgam os meios de comunicação que há falta de professores em diversas escolas e isso pode se agravar com o pedido de aposentadoria de cerca de 7.000 professores, que temem mudanças na legislação que rege o Plano de Carreira do Magistério Estadual;
d) Há escolas públicas funcionando dentro de ônibus velhos ou de containeres, com crianças desmaiando devido ao calor associado à fome pela falta de merenda escolar;
e) Cerca de 30% dos professores – ou até mais – trabalham com contratos temporários. Com isso não têm segurança nem tempo para criar vínculo com a comunidade escolar, o que dificulta a construção de uma identidade da escola, com seus professores, funcionários, alunos, pais e a comunidade;
f) O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra conquistou, legalmente, pela primeira vez, no estado do Rio Grande Sul, a Escola Itinerante, que acompanha a caminhada dos acampados em busca da terra, enquanto esperam a Reforma Agrária, feita em todos os países desenvolvidos, e enquanto não se cumpre o preceito constitucional sobre “a função social da terra”. Mas a governadora do estado/RS, com o apoio do Ministério Público, proíbe a existência da Escola Itinerante, que se cria e consolida em outros estados da federação brasileira, como o Paraná, por exemplo. Pior do que isso: separa as crianças e as distribui entre escolas onde poderão ser discriminadas. Vejam o absurdo: a Escola Itinerante é acusada de ser “subversiva” – expressão da ditadura – por trabalhar com o Método Paulo Freire, um educador conhecido e respeitado no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos da América.
ü Não seria isso uma evidência da ignorância – ou da precariedade da formação dos representantes dos poderes públicos – ou mais um ato de ditadura, que impede a livre manifestação de idéias quando estas não coincidem com a palavra do/a ditador/a?
g) Reconhecendo a importância da educação para o desenvolvimento econômico-social do país, o Congresso Nacional definiu o piso da categoria dos professores em R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais). Mas a governadora do estado lidera um grupo de governadores que se contrapõem a esta determinação legal, justificando que o estado/RS não tem condições de arcar com a despesa que iria decorrer do pagamento deste piso aos professores estaduais.
ü A pergunta que não quer calar é: quem define as prioridades dos investimentos públicos, privilegiando o salário da mesma governadora, explicando os gastos com a aquisição de uma casa adequada à sua função e negociando a aquisição de um avião para o seu transporte, quando, para isso, já existe um avião semelhante ao que é usado por outros governadores, em detrimento dos salários dos professores, dos funcionários da segurança e da saúde, do funcionalismo público estadual, de modo geral?
3) Empresas de telecomunicações e mesmo jornais têm divulgado, numa série de programas, o estado em que se encontram os presídios, com lotação superior até duas vezes a sua capacidade, com condições de higiene que são impensáveis à criação de animais, como aves, suínos e bovinos, com falta de policiais, guardas e outros funcionários que possam garantir a segurança e o cumprimento das penas dos detentos.
ü Cadeias deveriam ser espaços de ressocialização, com áreas de educação, trabalho e lazer e não depósitos de “lixo humano” como parecem ser os presídios. Qual, então, o interesse público em amontoar pessoas em condições desumanas: qualificar bandidos, aumentar a criminalidade, matar um número maior de jovens e de forma mais rápida?
4) Também têm sido divulgadas as condições de vida e de trabalho de profissionais da segurança pública – policiais civis e militares – que obrigam muitos destes policiais a trabalharem em outras atividades, nos seus horários de descanso, para poderem sustentar suas famílias.
ü Como classificar um governo que não oferece salários com valores atualizados e garantias mínimas de uma vida digna e de segurança para aqueles e aquelas que são responsáveis pela segurança pública da sociedade gaúcha?
5. Nas mesmas condições apontadas para a educação e a segurança, o estado/RS vem mantendo a saúde pública, os postos de saúde, as campanhas de prevenção de doenças e, sobretudo, as condições de trabalho e salários dos profissionais da saúde.
ü Por que uma doença, como a febre amarela, que parecia extinta no Brasil, está aparecendo no estado, onde os serviços de saúde, até a algum tempo atrás funcionavam? Teria a governadora, ou membros dos partidos apoiadores, a coragem de fazer consultas ou de levar seus familiares a fazerem-nas em órgãos de saúde do estado/RS?
6. Órgãos públicos estaduais nos explicam que as preocupações do governo estão voltadas para zerar o déficit econômico, o que foi feito – e isso fica oculto – com um empréstimo do Banco Mundial, a juros que todos acabaremos por pagar, sem que tenhamos o devido retorno, como estamos vendo. Por isso, também, mantém-se o arrocho salarial do funcionalismo público. Por isso – justifica o governo – não são feitos concursos públicos para o ingresso de professores, agentes de segurança e profissionais da saúde ou não são nomeados o concursados.
7. Todas essas questões geram enormes inquietações para os trabalhadores gaúchos ou que aqui vivem, principalmente quanto ao futuro da educação, da saúde e da segurança dos seus – nossos – filhos e netos. Mas elas se acirram ainda mais quando lemos ou assistimos, nos jornais, revistas e televisões, os escândalos que se acumulam sem uma resposta à sociedade. São os recursos usados na compra da casa, são os aumentos de salários da governadora e dos altos escalões do governo, comparados com os salários devassados e as condições precárias de trabalho dos profissionais da educação, da segurança e da saúde; são denúncias de controle de pessoas e partidos de oposição através de gravações; são denúncias de pagamento de percentuais para a garantia de obras, empregos, etc. São denúncias e mais denúncias...
ü E tudo fica por esclarecer: as denúncias de corrupção que se acumulam sem serem devidamente esclarecidas, associadas ao caos na educação, nos presídios e na saúde, bem como a perseguição aos movimentos sociais populares – professores, sem-terra, sem-teto, mulheres, desempregados – e o impedimento de que os mesmos usem o espaço público para manifestarem-se, como se estivéssemos retornando os negros tempos de ditadura militar, que tanto atraso significou à democracia em nosso país.
Essas são as inquietações que quero compartilhar. Quem sabe estou tendo apenas um pesadelo, pois isso não pode ser real em nosso estado, que tem uma história de participação política dentro dos parâmetros democráticos. Por favor, alguém me chame a atenção – ou me acorde - se eu estiver errada ou assine embaixo deste Manifesto de uma velha mãe de família e professora que não consegue mais conviver com essas interrogações ou com esse descalabro.

Marlene Ribeiro – FACED/UFRGS

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